Título: Holocausto Brasileiro
Autora: Daniela Arbex
Editora: Geração
Páginas: 255
Ano: 2013
Sinopse: Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.
Falar de Holocausto Brasileiro não é fácil. Mas é
necessário. É complicado pelo conteúdo abordado, pelas vivências narradas. Há
momentos que você quer largar o livro, mas ao mesmo tempo você quer saber aonde
isso vai parar. Pelo menos foi assim que me senti ao ler o livro da Daniela.
No Brasil, durante o governo do Vargas conhecido como Estado
Novo foi instaurado uma medida de higienização das ruas. Nesse contexto surge
as instituições psiquiátricas, como foi o caso de Barbacena, em Minas Gerais. O
principal intuito desses lugares era levar aquelas pessoas que eram
consideradas fora do normal da sociedade. Logo, homossexuais, mendigos,
epilépticos, meninas grávidas pelos patrões entre outros iam para esses lugares
sem saber aonde eles realmente iam. Além disso, eram tachados de loucos pela
sociedade e obrigados a sofrer tratamentos horríveis e viver em condições
precárias. Entretanto, não havia pessoas especialistas nesses lugares para
diagnosticar se as pessoas eram realmente loucas. Se você não a quer na
sociedade, leve-a para lá. Apenas a
partir da década de 1960 que veio a tona o interior dessas instituições, e se
começou a entrar pessoas especializadas.
Barbacena é o maior desses manicômios, e está localizado em
Minas Gerais. Foi nesse cenário que Daniela Arbex, jornalista se encaixa e
adentra esse universo. Através de relatos, fotos, ela nos conta um pedaço
daquele que pode ser considerado um momento crítico da história brasileira e
que não se é tão comentado quanto deveria. Narra de maneira breve, o cotidiano
desses pacientes, marcados pela dor e hostilidade. A fome, as sessões de
eletrochoque, as vestimentas precárias.
Conta-nos alguns casos, como a mulher que tentava modificar
aquele ambiente hostil para tornar a vida de alguns dos pacientes melhor de ser
vivida, ou o caso da venda dos
cadáveres feita pela instituição para as faculdades de medicina. As fotos que acompanham a narrativa dão um
toque de denúncia e ao mesmo tempo reflexão.
Apesar disso, ela nos conta alguns outros casos que se
tornam emocionantes ao lê-los, como o homem que descobriu após alguns anos que
sua verdadeira mãe era paciente da colônia, e que decide ir atrás dela. Ou o caso que a ex-paciente foi atrás
do filho que fora separado dela durante a vida na colônia (como esses hospitais
eram chamados).
Daniela, em determinado momento, aborda o momento em que os
jornalistas puderam adentrar esse cenário de horror, e puderam trazer ao mundo as
atrocidades realizadas. Foi um momento importante, porque se pode repensar a
maneira com que essas pessoas eram tratadas. As falas de alguns jornalistas aparecem
ao longo da narrativa, comparando Barbacena como um campo de concentração
nazista, ou então que foi a pior coisa que viram na vida.
Fugindo um pouco de Barbacena, mas trazendo aos dias atuais,
é interessante pensar essa questão. Para quem não sabe, sou graduando em
História, e participo de um projeto que busca preservar a memória de uma
instituição aqui de Florianópolis: o antigo Hospital Colônia Santa, hoje
Instituto Psiquiátrico de Santa Catarina. O projeto se desenvolve através da
higienização dos prontuários da década de 1940 até 1970, período “sombrio”, com
o intuito de trazer para a sociedade a existência dela, além do que pensar até
que ponto o ser humano pode chegar. Toda semana vamos para lá, e realizamos o
trabalho. Há também as conversas com os pacientes, sendo que muitos que estão
lá há muito tempo, e nessas conversas que a gente acaba refletindo mais.
Percebemos a necessidade dos pacientes em conversas com alguém de fora, como
maneira de ser reintroduzido na sociedade. Além disso, a dificuldade para isso
ocorrer. É tão gratificante poder fazer parte desse meio, ver outro lado da
história que não é tão popular quanto deveria. Repensar nossas atitudes,
repensar a maneira de enxergar o outro. Tomo as palavras de uma professora, que
em certa palestra, quando foi comentar a respeito do porque de realizar
trabalhos como esse, ela disse: “é uma maneira de realizar justiça pelo que foi
feito a ele”. E é de dessa maneira que me sinto quando vou lá. Quando higienizo
os prontuários, quando vejo os pacientes. Muitos não tinham diagnóstico de
loucura, apenas eram pessoas consideradas “fora do normal” pela sociedade da
época. E acabaram sofrendo tudo o que sofreram.
O livro de Daniela é mais que recomendado: leitura
obrigatória. A narrativa é tranquila, sem grandes dificuldades. O que dificulta um pouco é o próprio conteúdo em si, que as vezes é pesado. Faltou um pouco a autora contar como ela construiu a história, baseado em quais fontes. Mas mesmo assim é um livro válido de ser lido. Como disse anteriormente, e torno a dizer, acabamos vendo um outro
lado da história tanto esquecido na nossa sociedade, mas que temos que resgatar
para poder pensar a situação dos dias atuais.
Adorei essa resenha. Está muito boa. Estive vendo algumas outras resenha sobre o livro, mas a sua com certeza me instigou a ler ele realmente. Muito obrigado ;)
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