Título: O último voo do flamingo
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2005
Páginas: 232
Sinopse: Depois de um longo tempo de guerra civil, soldados das Nações Unidas estão em Moçambique para acompanhar o processo de paz. O romance narra estranhos acontecimentos de uma pequena vila imaginária, Tizangara, ao sul do país, onde militares da ONU começam a explodir subitamente.
Avaliação: 5/5 estrelas
E, no fim, só um último conselho. É que há perguntas que não se podem dirigir às pessoas, mas à vida. Pergunte à vida, senhor. Mas não à este lugar da vida. Porque a vida não acaba no lado dos vivos. Vai para além, para o lado dos falecidos. Procura desse outro lado da vida, senhor.
Conheci o trabalho de Mia Couto
no inicio desse ano, com Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Confesso
que senti estranhamentos e incômodos, principalmente pela narrativa do
moçambicano, repleta de metáforas e extremamente poética. Nesse semestre, tive
a chance de conhecer mais um pouco de sua obra: dessa vez, com outro livro seu: O último voo do flamingo. Dessa vez, tendo uma noção maior do contexto em que as histórias de Mia se passam, pude enxergar e compreender a história de um outro modo.
O livro tem um inicio nem tão
convencional: um pênis é encontrado no meio da rua de Tinzagara, vila fictícia
de Moçambique. Intrigados com a aquela cena, é chamada Ana Deusqueira, a
prostituta da cidade para ver se ela reconhecia o dono do órgão. Chegando lá, ela diz que não era de nenhum dos homens
da cidade, e sim de um estrangeiro. Logo, se chega a conclusão de que na verdade era de um dos homens da
ONU que ali vivia após a independência de Moçambique. Recentemente, ocorrera casos também nem tão pouco convencionais: explosões ocorreram, sendo que só
sobrava o órgão genital e a boina azul.
Intrigados, designam Massimo
Risi, um italiano que trabalhava na ONU para tentar descobrir o que acontecera. Juntamente de um
tradutor que ali vivia, Risi passa a conversar com os habitantes da cidade,
dentre eles Ana Deusqueira, a prostituta, Temporina, a mulher com rosto de
velha, mas corpo de nova, Padre Muhando, feiticeiro Andorinho, dentre outros. Só
que isso não parece ser a melhor ideia. Conforme a investigação avança e Massimo e o tradutor passam a conhecer melhor os habitantes da cidade, cada vez se torna mais difícil. Ocorrem acontecimentos inexplicáveis e outras explosões, os depoimentos se contradizem, de tal ponto a Massimo pensar em desistir da missão na qual fora designado..
Ler Mia Couto é como ler uma
poesia. Sua narrativa se torna tão encantadora que você não consegue deixar de
gostar. Não é que seja fácil: mas depois que você se acostuma, é só correr pro
abraço. Por isso digo de antemão: se não conseguiu ler de primeira, insista mais um pouco. Volte ao inicio da frase, ao inicio do parágrafo ou se necessário ao inicio do capítulo. Dê uma segunda chance. Só que com um pequeno detalhe: ler é fácil, mas entender é totalmente
diferente.
Quando nossa professora nos
passou o livro como leitura, ela nos avisara: “vocês vão enlouquecer tentando
achar algum sentido na história!”. E foi exatamente isso. Durante a discussão
do seminário é que consegui compreender melhor a história. Mia Couto realiza
uma crítica em relação aos semeadores da guerra, e isso é percebido em toda a
história, seja pela fala dos personagens ou pela atitude delas. Além disso, um paradoxo é apresentado na história: tradição ou
modernidade? A história se passa num contexto pós-independência, onde as sociedades africanas, nesse caso a de Moçambique, passaram e foram atingidas de sobremaneira a deixar consequências sérias para o seu desenvolvimento. O próprio título da história está relacionado a isso. O último voo
do flamingo remete a história contada pela mãe do tradutor, onde havia dois
céus: um que se podia voar e outro que não. Chegou certo dia e o flamingo,
cansado daquilo, decide voar para o céu proibido. Só que quando sai, acaba
pegando fogo e como consequência, surge a noite. E isso está ligado totalmente a história e ao futuro daquela cidade.
Os acontecimentos ‘sobrenaturais’
não é um ponto central na história de Mia (apesar de que ocorrem com frequência). Não é que nem um romance em que a trama
gira em torno de grandes acontecimentos. Na história contada por Massimo, o todo é que faz a
diferença, ao mesmo tempo em que os pequenos detalhes é que fazem refletir. Os
provérbios que abrem cada capítulo ou que estão em cada diálogo, a construção e a função de cada personagem na história, como o próprio feiticeiro Andorinho, que cria uma atmosfera diferente, seja pelas suas palavras reflexivas, ou pelos mistérios que deixa no ar.
Massimo Risi passou por momentos
em que se perguntava quem ele realmente era. Não o senti como um personagem
principal (até por que quem narra a história é o tradutor). Na minha opinião, há muitos outros elementos que podem ser considerados como personagens principais. Não há vilão nem mocinho. Só que Massimo e o tradutor tem a oportunidade de aprenderem muito sobre a vida, sobre o tempo, sobre vivências. O italiano passa a ver o mundo de uma outra maneira daquela que estava acostumado. E isso implica diretamente nas explosões e no futuro daquela sociedade. Para entender a história, é necessário entrar numa lógica que não nos pertence. É tentar compreender uma cosmovisão na qual não estamos acostumados. O que nos resta na hora de realizar a leitura é criar suposições e teorias sobre os ocorridos sobrenaturais, considerando que mesmo assim poderemos estar pensando errado.
Mia Couto ganha o leitor pelos
personagens, pela leitura e pela narrativa. Apresenta um contexto real em uma
cidade fictícia de dúvidas e incertezas; um processo de transição em que ficam aquelas questões sobre valores, tradições e mudanças. E o modo com que o moçambicano decide apresentar são fluidas e tranquilas. Termino o livro (e a resenha) com aquela sensação de dever
cumprido e vontade de começar a ler outro livro dele logo.
É muito isso ! Esse foi um dos livros dessa unidade na escola e logo após sua leitura minha decisão era unanime: eu não gostei do livro, é muito confuso. Por obra do destino acabei ficando com o país Moçambique para os trabalho que seriam feitos na unidade e pude compreender melhor o país, assim como sua cultura e seu tão famoso escritor. Aos poucos minha opinião foi mudando e percebi que a obra de Mia Couto era muito inteligente e bem escrita, muito embora eu ainda sinta falta de maior conectividade e esclarecimento entre os fatos.
ResponderExcluirBeijos e abraços, Uma vida nos livros
Não conhecia o livro ainda. Não é muito o que estou acostumada a ler, mas achei bem interessante conforme fui lendo a resenha. Anotei aqui para futuras leituras.
ResponderExcluirBlog Prefácio